segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ré confessa

Devo dizer:
nunca esperei
em vão na janela,
nunca passou
por minha cabeça
o trajeto da bala,
nunca pensei em cicuta.
Confesso:
em momento algum
neguei às estrelas,
-em que pese à distância -,
o prazer em roubá-las.
Admito:
sim, como tudo
o que rasteja
cobicei um par de asas,
alfinetei borboletas,
prendi com palavras
ao branco da folha,
pardais, pombas, gaivotas.
Reconheço:
não sou santa,
mas aquela que na madrugada
recebe visitas:
morcegos, vaga-lumes, corujas,
e o que mais se mova
às escuras,
masturba-se em minhas águas
enleia-se em minhas grutas.
Assumo o desconforto
moral de minha mãe
e a indiferença raivosa
de meu pai,
ante minhas fugas desabridas.
Não nego serem minhas
as mãos no tronco
da goiabeira
e no rastro das frutas...
Também são meus os indícios
e as digitais encontradas
no corpo celeste
atrás da escada.
Concordo:
Sempre escolhi
as saídas esquivas,
às delicadezas de gaveta,
sorrisos polidos,
e outras máscaras
que civilizam.
Acontece que não nego
o chamado do fogo,
deixo que o corpo
devolva a palavra
ao braile da pele;
da leitura dos poros,
pelos, salivas, suores...
o discurso no osso,
faço minha festa.

Minha culpa,
minha máxima culpa,
por andar sempre nua
e querer ser outra
: eu mesma.

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